No contexto turbulento da década de 1980 dos empates como forma de resistência pacífica ao desmatamento da floresta da qual dependiam os seringueiros, dispostos em correntes humanas repletas de mulheres e crianças em frente a peões empunhando motosseras e jagunços armados; no contexto do assassinato de Chico Mendes, o presidente do Sindicato dos Trablhadores Rurais de Xapuri, conhecido como uma figura importante no ambientalismo internacional; no contexto do desenvolvimento do movimento operário, das greves dos trabalhadores e seus conflitos com com as classes dominantes em São Paulo; de uma espécie de “ressaca” da Ditadura Militar no Brasil; da queda do Muro de Berlin, com a aproximação do final da Guerra Fria, entre outros, era com a paixão de um angajamento em uma fundamental luta revolucionária para o destino da humanidade que o Grupo Capu propunha “paz e amor” entre os homens como no final da música Mercúrio, algo aparentemente simples e visivelmente dificílimo, da seguinte forma:
Um ato de amor não é um ato covarde / é um riso de anjo / é um bom rio de energia que corre / apagando a chama do ódio que arde / o amor tem a paz como conseqüência / e tem a paz como conseqüência / Não à violência! / Não à violência! / Rock’n’roll!
Influenciados pelo tropicalismo, pelo rock psicodélico e progressivo nacional e internacional, pelo “raulseixismo”1, pela atitude crítica do punk rock e do pós-punk, enfim, por toda uma fermentação nacional internacional que ocorria no contexto histórica daquela época, a banda de rock conhecida como Grupo Capu inseria esta parte acreana da região amazônica dentro do contexto da contracultura utilizando as influências deste gênero do discurso de forma criativa para muito além de uma simples reprodução mecânica de suas fórmulas, com uma proposta que figurava de forma ousada em um contexto onde toda a classe artística deste Estado parecia engajada na criação do novo.
Dentro da perspectiva do forte cosmopolitismo particular da produção artística da época do tipo que se percebe nas músicas do cantor Pia Vila, o Grupo Capu pode ser caracterizado especialmente por seu engajamento na defesa de uma visão originalmente amazônica das concepções dos movimentos contraculturais, realizando através do rock’n’roll um esforço de formulação de uma nova consciência amazônica unindo o que havia de mais avançado na cultura ocidental crítica de si mesma ao que havia de mais essencial na cultura amazônica do contexto da recém chegada modernidade à região. Dentre as causas mais específicas que caracterizavam as lutas dos movimentos contraculturais, além da defasa dos princípios mais gerais como os de ideais de “paz e amor” do movimento hippie, a de maior adesão pelo Grupo Capu foi à ambientalista, como na militância poética em defesa da água doce na letra da música Oceanos suspensos:
Paisagem a vapores / No céu em movimento / Figuras minerais / Moldadas pelo vento
Ie, igarapés / Ie, rios e riachos
OURI, OURI / Moldadas / OURI, OURI / É do vento o pensamento
Oceanos suspensos / Oceanos suspensos
Águas de todos os sabores / Orvalhos que molharam flores / Moldadas pelos ventos / É do vento o pensamento
Surreal em gotículas / Cachos d'água navegantes / Leves plumas líquidas / Gasosas formas mutantes
Que da terra foram ao céu / E voltaram ao planeta / Planeta
Para o Grupo Capu era necessário cantar as águas como era necessário cantar os pássaros, os animais, as árvores, os rios, os índios, os seringueiros, pois toda a riqueza não somente da fauna e da flora como também da sabedoria de toda a diversidade das culturas dos povos que vivem na mais perfeita harmonia com a natureza na floresta amazônica é que seriam a matéria prima a partir da qual se construiria a nova consciência da anunciada Era de Aquário cujas suas águas, para Clenilson Batista, sairiam do Rio Branco para lavar a alma do mundo. Na impossibilidade de discutir no mesmo nível da razão instrumental, a base sobre a qual se estrutura toda a lógica matemática de acumulação de capital chamada por Max Weber de “cárcere de ferro”, destruindo tudo em sua frente considerado inútil ao desenvolvimento econômico do sistema capitalista e inserida na Amazônia na forma do modelo agropecuarista de modernização da economia que substitui o antigo modelo econômico extrativista falido durante o período da Ditadura Militar, as letras das músicas do Grupo Capu levam a fundo o lema da “imaginação no poder” característico dos protestos do momento culminante da primeira fase dos movimentos contraculturais em 1968, enquanto proposta de fundação de uma nova base sobre a qual toda a realidade deveria se reestruturar.
Mas era necessário ir ainda além. Concepções cosmológicas alternativas eram formuladas a partir dos tipos de narrativas das lendas indígenas permeadas de elementos do discurso científico e tecnológico em músicas como o Seringal Astral “espiritual e místico”, localizando NO PLANETA OURIÇO na galáxia chamada “Via Látex” por onde se chega através de um “ramal eletrônico” por naves espaciais feitas de sernambi, cujas estrelas são CASTANHA compostas por luzes de coloridos harmônicas originárias das porongas que os seringueiros utilizavam em seus capacetes para iluminar o caminho na floresta. Como os Beatles haviam inserido elementos da cultura oriental e os tropicalistas elementos da cultura negra em suas composições, o rock acreano fazia seus experimentalismos inserindo elementos das culturas nativas amazônicas no tipo de universalismo moderno característico do gênero contracultural do rock’n’roll. O exercício da imaginação enquanto negação da razão instrumental pela criação de uma nova consciência amazônica significava em última instância uma proposta de descolonização cultural enquanto o caminho para revolução individual potencialmente transformadora do meio social proposta pela contracultura na versão amazônica, que seria indispensável para a subversão psicológica do “cárcere de ferro” reestruturadora da realidade.
Musicalmente, a sonoridade conseguida pelo Grupo Capu na época do show Viva Raul, entre 1989 e 1991, onde performances teatrais buscavam invocar o espírito de Raul Seixas, falecido recentemente, para que este baixasse do astral para incorporar em seu corpo dentro de um caixão que ficava na frente do vocalista na parte central do palco, tremendo devido à alta concentração das “energias cósmicas que pairam no ar” em um extasiante delírio coletivo de músicos, atores e público, se caracteriza por um experimentalismo ousado do tipo de psicodelismo e progressivismo dos estilos de bandas como Beatles ou The Doors da década de 1960, entrecortadas por riffs e solos de guitarras mais pesadas, DISCURSOS ANUNCIANDO UMA TERCEIRA GUERRA MUNDIAL EM QUE CADA INDIVIDUO ERA UM GUERREIRO LUTANDO NO SEU INTERIOR VENCENDO OS SENTIMENTOS HUMANOS QUE NÃO ERAM BENFICOS PARA UM INTERATIVIDADE SOCIAL HARMONICA, E (em) músicas com letras com um alucinógeno efeito surrealista como Oceanos suspensos e Mercúrio. As experiências transcendentais de abertura das “portas da percepção” através de viagens pelo “mundo astral” que conduzem a uma verdadeira revolução da mentalidade com o objetivo de proposição da fundação de uma nova realidade de um novo mundo por um novo homem da “Era de Aquário”, conduzem o Grupo Capu a mensagens de outros mundos alcançados, como na letra da música Mercúrio:
Na imensidão dessa salina / O vento magnético / Nas montanhas de ferro / Descargas elétricas / No horizonte de mercúrio
Mercúrio...
Seres metálicos / Rolam bolas de sal / Nesse mundo / glacial, glacial...
No limo dos minerais / Numa gruta de granito / No meio da geleira / Num diário de ferro / Assim estava escrito!
Mercúrio...
Os enunciados da letra da música exploram a plurivalência e a polissemia dos sentidos da palavra Mercúrio, podendo ser interpretada como o elemento químico utilizado pelos garimpeiros que poluem as águas dos rios; o deus Mercúrio, mensageiro da mitologia; Mercúrio, o planeta do nosso sistema solar. Desta forma, o “vento magnético” trazia as mensagens de uma “salina” estéril e desolada de uma “Era Glacial” de um outro planeta em que havia “montanhas de ferro” onde “homens metálicos” rolavam “bolas de sal”, como se podia confirmar nas inscrições de um “diário de ferro” encontrado no meio de uma “gruta de granito”, tal eram a forma como um habitante de uma cidade em processo de modernização no meio da floresta amazônica influenciado pelos princípios contraculturais do movimento hippie via através dos sinais captados pelas antenas de TV e pelos textos dos livros da biblioteca a troca da força de trabalho dos operários que se confundiam com as máquinas que operavam por salário no meio dos parques industriais dos grandes centros urbanos do capitalismo desenvolvido para onde era necessário levar as águas do Rio Branco da Era de Aquário por meio talvez de metafóricos Oceanos suspensos. Talvez os “seres metálicos” que viviam naquela frieza glacial pudessem ainda “entrar em contato com a natureza”, “abrir as portas da percepção”, “entrar em harmonia com o cosmo”, se libertando do “cárcere de ferro” que havia se fundido à sua própria pele como uma borboleta se metamorfoseia se libertando de seu casulo.
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